sexta-feira, 22 de julho de 2011

Mente deturpada



 Após eu ameaçar cortar a garganta de uma professora até sentir o seu sangue molhar-me os pés, quando eu tinha sete anos de idade, fui levada a diretoria.  Minha mãe após buscar-me na sala da diretora,  permaneceu por horas com um olhar sério, ouvindo as três mulheres dizendo que eu tinha sérios problemas psicológicos, que eu vivia ameaçando os alunos e professores, que ela ja devia saber disso pois não fazia nem duas semanas que ela estava ali no mesmo lugar, ouvindo as mesmas coisas.
Dessa outra vez, uma garota, puxou os meus cabelos dourados, que estavam presos por uma fita preta, chegando a tocar abaixo da minha cintura. E essa garota, que devia ter a mesma idade que eu, puxou meu cabelo com força dizendo que eu era estranha e não deveria ter um cabelo bonito.
Eu achei aquilo tudo tão escroto, que aproveitei que ela estava em cima do escorregador e simplesmente a empurrei, com força. Seu corpo, foi jogado pra frente e seu rosto, foi arrastando-se pelo ferro, e depois pelo chão de cimento. Quando ela se levantou estava com o rosto inteiro ralado, no nariz tinha um corte profundo e o sangue escorria até pelo seu pescoço. Ela me olhou assustada e gritou, de dor.. de medo. Eu sorri pra ela e dei-lhe as costas. Minha mãe lembrou-se do ocorrido e disse que ambas agimos de forma errada. A diretora não queria escutar, ela me tratava como um ser bizarro ( que de fato eu era) Minha mãe cheia de escutar tudo aquilo, puxou-me pelas mãos em direção à saída.
Ela permaneceu em silêncio, mas eu via em seus lábios algo que parecia ser o começo de um sorriso.
Eu não ousava dizer nada, apenas andava, chutando as pedrinhas que encontrava ao chão.

Fazíamos o caminho de sempre, aquele sem graça, que era numa rua reta, com casas todas iguais.
Eu odiava aquele caminho, odiava aquela escola, aquela rua, aquele bairro. Eu sempre segurava nas mãos da minha mãe e ia andando de olhos fechados, brincando de ser cega ( o que era mentira, eu apenas respondia isso, quando minha mãe perguntava, mas na verdade, eu só ficava de olhos fechados, porque eu tinha vontade de quebrar aquelas casas iguais e feias)
Dessa vez eu fechei meus olhos na metade do caminho quando chegavam as casas de duas alunas que eu odiava. E minha mãe ainda séria, ia cantando a música do Doraemon.
Eu marchava imitando um soldado.
Minha mãe disse:
-Yuu-Yuu... eu nunca vi um soldado cego...
Eu respondi:
-Agora viu....
Ela riu de um modo gostoso de se escutar...
-Mãe... pode continuar cantando ?
-Posso Yuu...
E ela começou de novo a música que eu tanto gostava.
"Konna koto ii na    Dekitara ii na  Anna yume konna yume ippai aru kedo..."
Nessa hora eu sorri. Mas logo tirei o sorriso so rosto, como de costumo e também por lembrar-me daquele caminho chato.
Meus olhos ainda estavam fechados e eu quase tropecei quando, fui levada a fazer uma curva.
Abri meus olhos.Mas quando ia perguntar algo, minha mãe fez sinal de que eu ficasse quieta e continuou a cantar.
Até que chegamos em algo que parecia uma praça e tinha um balanço azul.
Eu olhei pra ela, com uma cara de quem não havia entendido nada.
E então ela me sentou no balanço e começou a empurra-lo, pra frente e pra traz, bem forte..
até eu manter meus olhos fechados de novo.
Ela ria... e quando o balanço, tomou força suficiente para ela não ter de empurralo ela foi se afastando de mim.
Um tempo depois ela voltou com dois sorvetes e ao me entregar um, riu de novo, daquele jeito estérico, que ela sempre ria comigo.
E eu sorria de leve..
Ela disse:
-Tome o sorvete...
Eu obedeci, e então ela completou:
-Da onde você tirou aquela de cortar a garganta da professora?
Eu engoli em seco..
-Não sei. Me deu vontade de dizer e eu disse.
Ela riu daquele jeito engraçado. e completou:
-Você parece ser mais velha que eu...
Eu dei de ombros e voltei ao meu sorvete.
Ela colocou as mãos em meus ombros e empurrou minha cabeça até o sorvete ficar esmagado no meu rosto.
Eu a encarei com um olhar sério
E saí correndo atras dela, até joga-la ao chão e enfiar o sorvete inteiro no nariz dela.
Ela ria freneticamente, bizarramente... alto e divertido...
Eu olhei séria pra ela:
- Você é muito infantil mãe..
E começamos a rir juntos.
Nos deitamos na grama  e ficamos em silêncio..
Eu pensando no quanto eu odiava quando as pessoas falavam mal da minha mãe.
Ela não era uma pessoa ruim, ela apenas vivia como queria, era uma criança, brincalhona.
Trabalhava num studio de tattoo e piercing, a noite fazia enfermagem.
Ela nunca terminava as coisas que começava e sem dúvidas, isso eu herdei dela.
E permanecemos lá, ela ainda ria e eu estava quieta.
-Filha... eu achei um livro anticristo  de Friedrich Nietzsche nas suas coisas hoje de manhã... Ontem achei o livro 120 dias de Sodoma e beleza e tristeza . Sabia que crianças da sua idade, deveriam ler contos infantis?
Eu dei um longo suspiro e conclui:
-Mas eu nao sou como as crianças da minha idade mãe.Eu gosto de ler coisas legais, não essas bobagens que as mães inventam pros filhos...
- Você tem a mente deturpada..
Rimos juntas e ela completou:
-Assim como a sua mãe.


E depois desse dia, eu tive orgulho dela, porque ela teve orgulho de mim.
Eu realmente tinha a mente deturpada e com o tempo, só piorou.
Se com sete anos de idade eu lia, tais coisas, imagina o que leio agora, dez anos depois?
Minha mãe e eu tomamos rumos diferentes com o tempo, mas ela continua igual, louca como sempre, brincalhona como sempre, mentirosa como sempre. 
Eu tenho orgulho de ter sido criada por ela, de ter tomado as lições que ela me passou, mesmo sem saber.


E hoje, no extremo que ja pude ser de louca e bizarra... Sei que eu aprendi do modo certo, a ser alguém.



E meu orgulho foi tremendo quando em uma conversas, à aproximadamente duas semanas, eu conversava com meu irmão, sobre meu pai tentar me forçar ir a igreja.
Nos estávamos discutindo o assunto, ambos com a mesma idéia, ambos criticando a religião..
Foi quando a Sayuri, que tem dois anos e 3 meses de idade, virou- se pra mim e disse:
- Mamãe... a "regilião" é o ópio do povo né?
Eu olhei assustada pra ela,  e orgulhosa como nunca estive, abracei aquela pequena criança bem forte.
E disse pro meu irmão que parecia ainda mais assustado que eu:
-Eu estou criando um pequeno monstrinho..
Ele sorriu e respondeu:
-Não Yuu.. vc está criando mais uma mente deturpada...


E os três rimos juntos..
Orgulhosos... curiosos.. e felizes..
E eu apenas fiquei imaginando.. "Melhor eu parar de ler e falar essas coisas perto dela.."



Fiquei imaginando a Sayuri com a minha idade, como ela será inteligente, como ela será linda... e fiquei  repitindo o tempo todo:
-Minha pequena de mente deturpada.



 

~Momentos de lembranças...

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